A deterioração do pensamento e da ação crítica anti-autoritária ao longo das últimas décadas acompanha a ausência de qualquer força social capaz de se opor ao avanço do sistema de dominação presente, o qual consiste em alcançar o projeto delirante de um controlo total das condições de existência.
Abrir espaços em que através da circulação de ideias e comunicações, da reflexão e do debate, se articule e difunda uma crítica radical e generalizada aos mecanismos de domínio, de produção de estragos e que simultaneamente sejam úteis como lugares de encontro e de associação de cúmplices para levar à prática essa crítica.
Esta continua a ser uma das tarefas necessárias para todos aqueles que prosseguem empenhados em destruir as causas dos estragos existentes, não a sua gestão.
A BOESG quer contribuir para esse esforço com as ferramentas de que dispõe: biblioteca, atividade editorial, arquivo de documentação, espaço de encontro.
A forma de organizarmos a Biblioteca Observatório dos Estragos da Sociedade Globalizada e Dos Meios Para os Suprimir (assim designada desde 2010, sem recusar a raiz operária que esteve na sua fundação em 1947) é simultaneamente o nosso programa crítico, uma resposta prática anti-arquista à época que nos é dada viver.
Porquê estragos?
Empregamos a palavra estrago (sinónimo de desolação, desperdíçio, destruição, prejuízo ou nocividade) para caracterizar/denunciar o sistema de dominação presente.
Não é de todo incompreensível verificar que a Economia/Capital, a Alimentação processada industrialmente, os Transportes, o Turismo, o Colonialismo, o Estado, a Religião, o Trabalho, a Prisão, a Medicina, o Urbanismo, a Agricultura industrial, a Escola, o Exército/Guerra produzem estragos nos indivíduos, logo, na sociedade e em todos os seres vivos, estragos no solo, no ar, na água. Todos os dias observamos à vista desarmada e vivenciamos esses estragos. Estragos mais escondidos ou complexos (sinais da época) necessitam de estudo e reflexão para serem detetados e denunciados.
Apresentamos proposições como ponto de partida para a descoberta dos estragos existentes em diferentes disciplinas/áreas. Simultaneamente procuramos saber o que uma época oferece ou não como possibilidade (os Meios) de construir autonomia.
Estragos da Ficção Científica quando ela contribui principalmente para nos familiarizar com o «melhor dos mundos», um mundo de condições extremas, convidando a nos projetarmos num quotidiano sintetizado tornado normal. Questionar a ficção-cientifica é primeiramente questionar a ficção enquanto ciência, uma vez que é impossível surripiar a intuição, na maioria das cenas futurológicas, de um, infelizmente credível, futuro tecno-totalitário. Mas é de igual modo questionar a ciência enquanto ficção, isto é, esse imaginário cientista que tem por adquirido que as sociedades nas quais vivemos são mega-máquinas que podem na realidade livrarem-se do vivente.
Estragos da Ciência quando ela nos conduz para horizontes sem saída e sem que isso suscite a mais pequena discussão coletiva.
Estragos da Literatura quando a doutrina, o estilo, o floreado, etc. se tornam os elementos centrais de uma obra. A doutrina como a literatice matam a vida.
Estragos da Tecnologia no momento em que a religião, o sagrado, se transferiu para a Técnica, no momento em que as consequências das «inovações tecnológicas» não são, nem discutidas nem inquietam os nossos contemporâneos, no momento em que promovem tudo o que é inumano e tornam o vivente obsoleto, a partir do momento em que a tecnologia se torna Dominação e controle social.
Estragos há nessa disciplina denominada História, onde as récitas sobre as quais repousa a nossa imaginação social ou política foram compiladas pelos vencedores, o que torna mais difícil escapar às suas vistas. Suplantar essas vistas estatistas e industrialistas, que constituem pérfidas justificações do deplorável presente, torna-se indispensável para agir com conhecimento de causa
A Biblioteca está aberta às segundas e às quartas-feiras, das 18h30 às 21h30. Apareçam!